![]() |
Fonte: Instituto Espacio para La Memória |
As fotos acima retratam três
cidadãos argentinos que foram capturados e torturados durante o último período de
ditadura no país, autodenominado Proceso
de Reorganización Nacional e mantidos presos na chamada ESMA, antiga Escuela de Mecánica de la Armada, que
funcionou como centro de detenção clandestino nesse período e por onde passaram
quase 5.000 detidos e desaparecidos (90% foram assassinados). Tais fotografias
foram “salvas” por um fotógrafo, também preso e torturado durante mais de quatro
anos, Victor Basterra.
Basterra foi sequestrado em 1979
junto com sua esposa e filha recém-nascida e permaneceu na ESMA até dezembro de
1983 e vigiado até agosto de 1984. Durante esse período, foi designado a
fotógrafo dentro do centro clandestino e passou a sacar fotografias dos
militares para produzir documentos falsos para ações ilegais das Forças
Armadas.
“Te
equivocaste, Marcelo”, dijo Basterra, “yo no saqué las fotos”. “Pusiste en el
libro que yo las había sacado, y en realidad las sacaron ellos. Yo sacaba las
fotos de los milicos, para hacerle los documentos, pera las de los compañeros
las sacaban ellos, tenían un fotógrafo que hacia eso”.
“Yo no
apreté el botón”, aclara. “Pero un día, trabajando en el laboratorio vi que
tenían una pila de fotos para quemar, era ya el 83, viste, ya se venían los
cambios. Y entre ellos vi mi retrato, mi propia foto cuando me acababan de
chupar, la que sacaran el mismo día en que nos fotografiaran a todos contra la
misma pared. Entonces metí la mano en la pila, y me guardé los negativos que
pude agarrar, los escondí entre la panza y el pantalón, ahí los puses, cerca de
los huevos”.
“A esa
altura parecía que habían decidido perdonarme la vida, que había sido un buen
muchacho y merecía seguir viviendo, vigilado pero, en fin, inofensivo. No
podían pensar que en cuanto pude saqué las fotos de la ESMA de a poquito, en
las salidas, entonces si metidas bien en la zona de abajo, entre los huevos y
el culo. No me revisaban casi, pero si llegaban a encontrar una de esas fotos,
era boleta”.
(Marcelo Brosdky e Victor Basterra –
Memória en construcción: el debate sobre
la ESMA)
No
diálogo acima, copiado do livro organizado por Marcelo Brodsky, que perdeu seu
irmão durante o período de terrorismo, também preso e assassinado na ESMA,
Victor Basterra explica que não apertou o botão da câmera para tirar as
fotografias, e que “apenas” as tirou de uma pilha que iria queimar-se e levar
consigo uma parte muito importante da história da ditadura na Argentina. Para salva
as fotografias, Basterra as guardou e levou aos poucos escondidas em suas
roupas para fora do centro, quando já tinha permissão para voltar à sua casa
após cumprir suas tarefas.
![]() |
Capa do livro organizado por Marcelo Brodsky |
As
fotografias foram escondidas por Basterra até o fim do período e reveladas durante
o Juicio a las Juntas, processo
judicial organizado em 1985 pelo presidente Alfonsín (1983-1989), que reuniu
provas contra os organismos e pessoas responsáveis pelo ocorrido durante a ditadura.
Na mesma introdução do livro,
Marcelo Brodsky complementa:
Me equivoqué, es cierto, Victor. No
aprestaste el gatillo. Pero sacaste las fotos, y lo hiciste dos veces. Y la dos
te fue la vida en ello. Las sacaste de la pila, las salvaste de la hoguera, las
quitaste del olvido.
Y después la sacaste de nuevo. Las pusiste
ahí abajo, muchos huevos, la verdad, y las llevaste afuera, ¿al mundo real?.
Las escondiste adentro e las sacaste afuera. Claro que las sacaste, Victor. Las
sacaste dos veces aun que no hayas apretado el gatillo.
![]() |
Victor Basterra |
Compreendemos com a fala de Brodsky que, apesar de Basterra não ter
apertado o gatilho para tirar as fotos, foi autor das mesmas por duas vezes:
quando as salvou da fogueira e quando conseguiu tirá-las da ESMA.
Ao conhecer um pouco mais sobre a ditadura na Argentina e a história
de Victor Basterra e “suas” fotografias, me pareceu interessante apresentá-la e
questionar alguns pontos como, por exemplo, por que as fotos seriam eliminadas
na ESMA, quem é efetivamente o autor dos documentos fotográficos e onde e como
as fotografias originais deveriam ser armazenadas e organizadas.
Sabe-se que para um documento cumprir seus efeitos de maneira efetiva, necessita de critérios que o valide, entre eles, a emissão por autoridade competente e a consonância com um fluxo determinado que instigue efeitos administrativos, jurídicos, fiscais e informativos correspondentes.
ResponderExcluirEstes dois elementos citados (competência e fluxo) vazam dos limites concretos do papel, isto é, nem sempre as assinaturas, timbres e datas indicarão por quem ou por onde os documentos passaram, ou ainda, se passaram por onde e por quem de direito. Tratando-se de fotografias a situação se agrava, pois mesmo em suporte físico, dificilmente estas trazem algum sinal concreto de validação.
A história contada por Brodsky inspira, portanto, uma série de discussões em torno de arquétipos conceituais relativos à produção, EFEITOS e usos das fotografias-documento.
Não acredito que a ESMA eliminou as fotografias devido ao esgotamento das necessidades de uso administrativo somado a ausência de valor secundário das mesmas. Mas independente das motivações, fato é que, mesmo guardadas por autoridade NÃO-competente (Basterra), as fotografias surtiram efeitos judiciais, fazendo do saqueador produtor arquivístico de documentos que ele não produziu, ou seria o produtor a corte que reuniu-as para juízo?
O fato expõe que os motivos pelos quais os documentos são produzidos (valor administrativo) podem dar provas distintas dos motivos pelos quais são guardados (valor arquivístico). Esta dicotomia pode aumentar se perguntarmos também quem produziu?, quem guardou?, por que produziu?, por que guardou?
Sem considerar os fenômenos de comunicação que permitem a difusão de documentos e a reutilização distinta, para finalidades desconhecidas, como responder essas perguntas, cujas repostas são fundamentais para moldar a eficiência de um singelo processo contínuo chamado gestão de documentos?
Ordenando por assunto e definindo palavras-chave?!