sábado, 24 de julho de 2010

Falsificação de imagens suja (mais ainda) a barra da BP


A gigante petrolífera britânica, responsável pelo maior desastre ambiental, provocado pelo Homem, já registrado nos EUA (a matança de índios e bisontes, e a desertificação do Meio-Oeste não foram registrados como desastres) tentou, através das imagens, reverter um pouco do desgaste que vem sofrendo junto à opinião pública. Divulgou documento fotográfico que, supostamente, representaria três de seus engenheiros monitorando o vazamento do poço de petróleo em dez super telas. 

O poder das imagens é bastante curioso nesse caso. Em primeiro lugar tenta-se passar a ideia de que as imagens exibidas nas telas e o acompanhamento delas por 3 pessoas não identificadas demonstrariam efetivos esforços para a contenção do vazamento de óleo. De algum modo isso remete à tradição das imagens da igreja católica, na qual os esforços de profunda concentração espiritual defronte à estátuas e pinturas sagradas permitiriam que tais objetos representacionais intercedessem junto ao representado para que Este realizasse à vontade do fiel. De modo análogo as pessoas defronte às telas acompanham atentamente o desenrolar da tragédia ambiental "torcendo" incansavelmente para que ela cesse. Se a crise se agrava no mundo profano a Igreja tenta providenciar mais imagens santas. Se o vazamento de óleo não é estancado a BP, por meio dos recursos do photoshop, providencia mais monitores com imagens para aumentar a sacralidade de seus esforços.

A condição mística de certas imagens dependem de sua certificação. Assim, uma imagem de caráter religioso esculpida por um artesão popular desconhecido e vendida em uma feira turística terá menos efeito místico do que uma feita por algum artista já validado pela igreja e reconhecido como tal. Um pôster estático valerá menos do que uma imagem em movimento e esta, se for em tempo real, terá sua eficiência redobrada. A tentativa da BP de aumentar o número de telas em operação não garante que:
  • as pessoas na sala estivessem olhando para os monitores ou, de algum modo utilizando aquelas informações;
  • fossem imagens relacionadas ao vazamento do poço de petróleo;
  • os dados tivessem alguma utilidade;
  • representassem dados em tempo real.
Mesmo assim, a BP acreditou no poder de convencimento que tais imagens poderiam ter e pôs, toscamente, o photoshop em ação em uma arriscada (e desesperada) jogada de marketing. Confiou, cegamente, no poder que as imagens exercem sobre as pessoas. A BP errou ao não considerar que hoje, a despeito, do enorme poder que as imagens têm nos imaginários atuais, elas perderam a sacralidade e, como objetos profanos foram imediatamente dissecadas por infiéis que gritaram em uníssono:
- O rei está nu!

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Equipe Digifoto contemplada com iniciações científicas


Saiu hoje o resultado do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PROIC-UnB) e o projeto Digifotoweb teve seus 4 pedidos contemplados. Os alunos, 3 voluntários e 1 remunerado, se dedicarão a estudar diferentes aspectos relativos às questões presentes nos documentos imagéticos de arquivo. A ampliação da equipe também representa a efetivação de uma abordagem interdisciplinar com uma pesquisa ligada ao curso de Engenharia de Redes, que procurar trazer contribuições da TI para o projeto. Cada um dos planos de trabalho se complementa aos demais e todos se interligam com o Digifoto, como bem esquematiza a imagem acima.

Baixe aqui o projeto "Analise do tratamento arquivístico dado pelo Arquivo Público do Distrito Federal às fotografias sobre a reconstrução da história de Brasília" (Kelly Pontes).

Baixe aqui o projeto "Análise dos efeitos da aplicação da Resolução 14 do CONARQ em documentos imagéticos de arquivo, no Arquivo Público do Distrito Federal" (Pedro Carvalho).

Baixe aqui o projeto "Panorama arquivístico do tratamento de documentos imagéticos de arquivo pelo Instituto Euvaldo Lodi" (Marcella Gonçalves).

Baixe aqui o projeto "Migração da base DIGIFOTO para ambiente web em MySQL" (Matheus Silva). 

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Espanha é campeã da copa 2010... Espanha?



A imagem acima provavelmente passou desapercebida do espectador brasileiro, porém, certamente, foi muito bem notada pelos espanhóis, principalmente pelos catalães. A bandeira da Catalunya e a taça,  empunhadas pelo jogador Puyol têm um efeito simbólico muito grande no complexo cenário dos imaginários nacionais da Espanha. A imagem, como informação, pode ser portadora de uma carga simbólica muito forte. Tais imagens-símbolos costumam ser reproduzidas em inúmeros documentos na tentativa de afirmação dos ideais nelas identificados. 

É importante que ao lidar com documentos imagéticos sejamos capazes de diferenciar as imagens (informação) dos documentos que as contém. Na reprodução acima temos várias imagens, mais abstratas, ou menos, porém nenhuma concreta e, de algum modo conflitantes: a vitória (representada pela taça), a Catalunya (representada por sua bandeira), a Espanha (representada por seu jogador) etc. Para tantas imagens (que valem mais do que 1.000 palavras) temos apenas um documento: este post, fruto de meu interesse acadêmico. Um documento com texto e imagem articuladas. 

A imagem, como informação independente de um documento pode ter múltiplos desdobramentos e influências. Podem ser mentais, podem impulsionar "imaginários" políticos e podem ser incorporadas a suportes, constituindo documentos para que tenham maior funcionalidade. A imagem de Puyol com a copa e a bandeira catalã provavelmente será transposta para posteres, camisetas, blogs etc. Longe dos debates, ao menos para mim fica a satisfação de ver que o melhor futebol triunfou.


Mesmo antes da decisão (e antes da comemoração de Puyol) alguns jornais brasileiros já apontavam a tensa relação Espanha-Catalunya no plano simbólico da copa do mundo, com alguns desdobramentos nada simbólicos (veja aqui reportagem do Correio Braziliense). Algumas imagens desempenharam papel crucial no estabelecimento, manutenção ou desarticulação de ordens políticas e sociais, como nos mostra o livro de Tomás Pérez Vejo sobre as guerras de independência ocorridas na América espanhola. Será que a forte imagem do jogador catalão terá maiores desdobramentos, no plano simbólico, no acirrado e histórico embate do nacionalismo espanhol? 

sábado, 10 de julho de 2010

A importância do contexto de produção e a reciclagem de informações visuais


O presente documento é um recorte de jornal que integra o acervo pessoal do Sr. Emiliano de Andrade.  Encontra-se em sua carteira junto aos documentos de identificação pessoal —Cédula de Identidade, Carteira Nacional de Habilitação, Cadastro de Pessoa Física etc.—, ao lado de outros de natureza afetiva, como retratos da esposa, do neto etc.  O recorte — enquanto documento do Sr. Emiliano — é único, apesar da informação veiculada (a imagem) apresentar-se como uma reciclagem.  Na realidade, o documento de interesse para o historiador do período pós-64 é a matéria do jornal, associada à imagem que a acompanha, e não o recorte do Sr. Emiliano, a despeito deste trazer uma imagem tecnicamente idêntica.  A importância da notícia enquanto fato jornalístico — foi a primeira manifestação pró-anistia feita por uma torcida de futebol, por uma das grandes torcidas brasileiras — costuma desvincular-se da função exercida pelo documento nas atividades do titular do acervo.  



A mesma imagem serviu para a criação de documentos diferentes, com funções e titularidades diversas.  A imagem da torcida do Corinthians representa uma informação que foi reproduzida em diferentes documentos desde sua criação até a reprodução do recorte neste trabalho.  Em cada um desses momentos, a informação primária permanece constante; a imagem em si mantém-se praticamente inalterada, salvo algumas modificações em sua resolução gráfica.  No entanto, em cada caso ela integra um novo documento, com funções e titularidades diferenciadas (o que é o mais significativo para a contextualização documental).  Apresenta também mudanças no suporte documental (negativo, positivo, fotolito, papel-jornal, disco magnético, papel alcalino), na técnica de reprodução (fotografia, impressão gráfica, impressão computadorizada) e na espécie documental que configura.  

A tabela adiante exemplifica as transformações ocorridas na imagem, do ponto de vista do contexto documental:

Tabela 1 – Diferentes contextos da imagem da torcida de futebol
Fonte: LOPEZ, 2003, p.79

A reciclagem da informação promovida pela utilização posterior do documento não deve ser confundida com a função para a qual ele foi produzido.  Deste modo, a partir do momento em que um banco de imagens recontextualiza a imagem do recorte de acordo com os interesses de seus pesquisadores, ele está produzindo, na realidade, um novo documento, ao invés de apenas estar disponibilizando uma informação de um fundo privado para os consulentes.

Esse exemplo ilustra que os conteúdos informativos de documentos arquivísticos (pessoais, ou não) quando descolados do contexto de produção podem permitir múltiplas interpretações.  No entanto, a redescoberta do sentido original para o titular do acervo apenas será possível se a teoria e os princípios arquivísticos se mantiverem intactos, re-compondo a ordem original  da produção arquivística.

Devemos estar atentos, ainda, para o fato de que o documento de arquivo é produzido em série, justamente por ser fruto de atividades administrativas rotineiras de seu produtor e preservado como prova de tais atividades.  O documento de arquivo, além de ser definido através de seu contexto de produção, não apresentará a informação de modo isolado, porém correlacionada aos outros documentos da mesma espécie, criados no exercício das mesmas funções.  Tais documentos, mesmo sendo diferentes em suas individualidades, por se referirem a informações específicas, são similares no formato e no papel desempenhado no cumprimento das atividades do seu produtor.  O documento de arquivo se relaciona ainda com outros, de outras espécies documentais, que lhe serão complementares, pois foram criados pela mesma atividade administrativa.  

O verdadeiro desafio dos arquivos pessoais consiste em identificar as inter-relações entre as atividades do titular e os documentos por ele produzidos/acumulados. Consiste em, a despeito da presença do instigante tema da campanha da anistia, centralizar os esforços em compreender as atividades do titular: a militância política do Sr. Emiliano.  Tais desafios, por conta da possibilidade de guarda corrompida dos acervos pessoais, somada à organização documental sempre posterior à morte do titular fazem dos arquivos pessoais um universo muito delicado do ponto de vista da arquivologia.  Somente a árdua recomposição do contexto de produção documental (que muitas vezes se afasta completamente da informação primária do documento) é capaz de dotar tais acervos de significado arquivístico, resgatando a organicidade inicial dos documentos.