segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Por que as pessoas guardam fotos?


A criação, em 1888, da primeira câmera fotográfica acabou revolucionando a história da fotografia no mundo. Com o lema “aperte o botão, que nós fazemos o resto”, George Eastman e Henry A.Strong introduziram no mercado uma câmera que poderia ser facilmente levada a qualquer lugar. Além de ser de fácil transporte essa máquina abolia as chapas de vidro, cuja utilização não apenas dificultava o transporte de todo material a cada saída do fotografo, mas também exigia um cuidado dobrado, pois qualquer rachadura fatalmente ficaria registrada na prova em papel.

A facilidade do novo processo, assim como a mobilidade da câmera, contribuiu decisivamente para que a fotografia se tornasse em pouco tempo parte do cotidiano das famílias. Aos poucos, os momentos a serem registrados foram aumentando. Entre essas situações, ganham destaque o lazer e os passeios da família, registrados não apenas como algo a ser rememorado, mas também mostrado aos demais, familiares e amigos. 

A máquina fotográfica acompanha a vida familiar e é através dela que cada família constrói um retrato de si mesma. Através das imagens colecionadas aos longos dos tempos vão sendo construídas as narrativas, as histórias de várias gerações de um mesmo grupo familiar. Ao se deixar captar-nos mais variados registros imagéticos, nas mais diversas situações, nos momentos de alegrias, os integrantes desses grupos possibilitam um olhar mais atento para a dinâmica familiar.

Se, num primeiro momento, o ato de fotografar ainda se relacionava com um elevado padrão de consumo, pouco a pouco ele foi disseminado, seja pelo barateamento das máquinas fotográficas, dos filmes, seja pela popularização da revelação, com os formatos das fotografias mais comuns dos álbuns da dimensão 9x12 cm ou 10x15cm. O auge desse processo chegou com o advento das máquinas digitais e das câmeras acopladas a telefones celulares, todavia, a velha e boa câmera propicia imagens singulares e os álbuns de famílias são relíquias históricas que existem nas maioria dos arquivos pessoais.

No início do século XX estes registros ficavam voltados para as grandes ocasiões, como casamentos, passeios, batizados, festividades, passeios e encontros familiares. Com o tempo e a propagação da fotografia como prática, passou-se cada vez mais a registrar o cotidiano, o instantâneo. Também neste mesmo período foi marcado pela diminuição da atuação do fotógrafo profissional e os álbuns de família passaram a apresentar imagens com poses menos formais e fotografias mais descontraídas, embora ainda com a família sendo o foco dos registros.

Além de mostra situações de lazer, os álbuns de família passaram a expressar retratos do cotidiano, espelhando a mudança da sociedade e o significado delas para a sociedade em sua singularidade. As imagens selecionadas passam assim a traduzir a importância dos momentos importantes de nossas vidas como as crianças, o nascimento, a união, os passeios, as alegrias, a representação simbólica da escola, praças e da vida religiosa da sociedade.

Nestes casos, assim como as fotografias antigas, os registros, em sua maioria, tem por finalidade não apenas eternizar o momento, mas também traduzir os papéis sociais desempenhados por cada um, e, principalmente, o status social e o sentimento do grupo familiar. Sua reunião em álbuns nos permite “ler” a visão de mundo, de bem estar e progresso do grupo e da sociedade, mas também nos deixa patente as ausências, de pessoas e circunstâncias, e muitas vezes até as rivalidades e antagonismos.

Mas afinal, por que guardamos a fotografia incondicionalmente? Ou mais, quais as imagens reconhecemos como válidas para serem encaminhadas aos arquivos públicos como documento único de uma época e de uma sociedade? O desafio fica por parte das instituições que trabalham com a memória através de uma seleção econômica, técnica, natural, jurídica ou política. Todavia, a avaliação de acervos fotográficos recebe a influência da afetividade que a imagem proporciona principalmente no que diz respeito aos arquivos familiares.

Este post é muito mais uma provocação do que uma apresentação de uma opinião a respeito do assunto. Fica então a pergunta: por que as pessoas guardam fotos?

Fontes: 
Susan Sontang, Sobre Fotografia, Companhia das Letras.
Exposição “Álbuns de Família – A vida privada no acervo CPDOC”
Exposição “História e Memória de Cariacica em Álbuns de Família”


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"- Por que as pessoas guardam fotos?
- Por quê? Só Deus sabe! Afinal, por que as pessoas guardam coisas, tralha. Lixo, montes de quinquilharias? Guardam, e é só o que interessa!
- Até certo ponto concordo com você. Algumas pessoas guardam coisas. Outras jogam tudo fora quando estão fartas dessas coisas. Sim, é uma questão de temperamento. Mas agora me refiro especialmente a fotos. Por que as pessoas guardam, especialmente, fotos?
- Como eu disse, porque não jogam as coisas foras. Ou porque elas fazem lembrar...
Poirot tomou para si as palavras dele.
- Exatamente. Elas lhes fazem lembrar. Agora, de novo, pergunto: por quê? Por que uma mulher guarda uma foto de si mesma quando jovem? Digo que a primeira razão é, essencialmente, a vaidade. Foi uma bela moça e guarda a própria foto para recordar-se de como foi uma bela moça. Isso a anima quando o espelho lhe diz coisas pouco palatáveis. Talvez ela digaa a uma amiga: “Esta era eu aos dezoito anos...”. E dê um suspiro... Concorda?
- Sim, sim, creio que é bem verdadeiro.
- Portanto este é o motivo número um. Vaidade. Agora, o motivo número dois. Sentimento.
- Não é a mesma coisa?
- Não, não, é bem diferente. Pois leva a pessoa a conservar não só a própria foto mas a de um outro... Uma foto da filha casada, quando era criança, sentada num tapete em frente lareira, envolta em tule... Muito constrangedor, às vezes, para a pessoa fotografada, mas as mães adoram. E os filhos e as filhaas muita vezes guardam as fotos da mãe, e em especial, digamos, se a mãe morreu jovem. “Esta era minha mãe, quando moça.”
- Começo a perceber aonde você quer chegar, Poirot.
- E, provavelmente, existe uma terceira categoria. Não a vaidade, não o sentimento, não o amor: talvez o ódio. O que ACHA?
- O ódio?
- Sim. Manter vivo um desejo de vingança. Alguém feriu você. Você pode guardar uma foto para recordar, não pode?"
Trecho de A senhora McGinty está morta, 1951, de Agatha Christie. 
Apud  Susan Sontang, Sobre Fotografia, Companhia das Letras.


Um comentário:

  1. Realmente muito interessante sua indagação Andre. Lembrei-me das minhas fotografias, que mesmo sendo pouco vistas estão lá guardadas. Nunca pensei em me desfazer e não sei que uso fazer delas.
    Estes devaneios me fazem lembrar a letra de "Futuros amantes" do Chico Buarque:
    "(...)
    E quem sabe, então
    O Rio será
    Alguma cidade submersa
    Os escafandristas virão
    Explorar sua casa
    Seu quarto, suas coisas
    Sua alma, desvãos

    Sábios em vão
    Tentarão decifrar
    O eco de antigas palavras
    Fragmentos de cartas, poemas
    Mentiras, retratos
    Vestígios de estranha civilização (...)"



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