terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Não só de conteúdo vive o documento


Durante algumas leituras acerca do tratamento arquivístico de documentos imagéticos, alguns autores - seria prolixo (leia chato) numerar – sugerem uma tendência de que a organização de documentos imagéticos, principalmente fotografias, se dêem a partir da compreensão de seu conteúdo. Havendo para subsídio dessa atividade, manuais bastante detalhados para dizer o que está se vendo nas imagens.

Sem cair no mérito de quão viável e importante seria essa atividade – não defende-se aqui que deve ser descartada – mas questiona-se: “A descrição de conteúdo deve ser o norte para qual aponta a organização e a base do tratamento arquivístico dos documentos imagéticos?”

Em uma tentativa, ainda não definitiva, de responder (debater) a questão, devemos primeiro ter em mente quais documentos imagéticos são documentos imagéticos de arquivo. De acordo com Maria de Lourdes Silva “(...) o que realmente vai definir se o documento fotográfico ou imagético deve ser considerado ‘documento de arquivo’ é a sua relação orgânica com o seu produtor institucional” (2005, p.4).

Será que se suprimirmos desta citação as palavras em negrito ela deixa de estar certa? Estranho!!! Continua parecendo correta, o que implica que que o mesmo tratamento, em relação a organicidade, deve ser dado aos documentos convencionais e imagéticos.

Sem querer exagerar no uso da retórica, pergunta-se também: que instrumento permite visualizar as relações orgânicas dos documentos? Defende-se aqui que tal instrumento seja o Plano de Classificação, que ao ser aplicado, cria-se séries ordenadas de documentos que representam, em sua ordem atribuída, a importância das funções neles intrínseca de acordo com o seu produtor. Para a partir de então, outras atividades, intervenções e funções arquivísticas ganharem eficácia, como afirma Sousa: "Entendemos, entretanto, que a função classificação é matricial, isto é, a partir dela que as outras funções/intervenções ganham corpo, consolidam-se, configuram-se. [...] É a função/intervenção que dá sentido e que preserva o caráter orgânico do conjunto, espinha dorsal de todo o conhecimento arquivístico" (2003, p.241).

Todavia, ao que parece, esta lógica aqui exposta não tem baseado as atividades de gestão e tratamento arquivístico de documentos imagéticos, sendo esta a hipótese a ser diagnosticada, limitando-se a realidade do Arquivo Público do DF, nos fundos que usaram o Plano de Classificação do Conarq (Resolução nº 14 de 2001) para a representação das “relações orgânicas com o seu produtor”.

Quem saiba não precisamos, enquanto arquivistas, nos sentir como pessoas com transtorno de personalidade fazendo teste de Rorschach¹: “O que você vê nessa imagem?”

Será que é matemático?


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¹Famoso teste psiquiátrico que consiste na interpretação do que o paciente afirma ver em 10 imagens abstratas monocromáticas simétricas.

11 comentários:

  1. Por mais que saibamos que o principal diferencial entre os arquivos e as bibliotecas esta do foco na organiciadade, nos primeiros, e no conteúdo, nas últimas, quando se trata de documentos imagéticos a velha máxima de que "na prática a teoria é outra" parece ser universal.

    Inês Duque Dias (2010), colunista do Paralelo33, por exemplo, elenca uma série de posicionamentos distintos (alguns complementares, outros antagônicos) de diferentes autores. É louvável o mapeamento dos diversos pontos de vista, porém afirmar, a guisa de harmonização das divergências, que "A análise do conteúdo dos documentos imagéticos , a luz do novo paradigma informacional, enfrenta muitos desafios, designadamente no entendimento da fotografia enquanto objecto de estudo nas diversas áreas do conhecimento e da informação"[destacamos] é negar-se a abandonar o modelo conteudista.

    O que Pedro aponta, com um brilhante exemplo, é que, para os arquivos, a questão de fundo NÃO É o conteúdo, porém a trama das relações orgânicas, sejam em documentos imagéticos ou não.

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  2. Abaixo o texto, viva o contexto!

    Excelente post, Pedro.

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  3. Excelente post Pedro! Sou nova no grupo e estou iniciando uma pesquisa sobre a inserção de documentos imagéticos em sitstemas informatizados de gestão arquivística de documentos na Adm. Pública e seu post encorajou-me ainda mais a defender minha tese :

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  4. Excelente post Pedro. Porém, assim como não só de conteúdo vive o documento, não só de contexto ele vive também. Não sei, às vezes eu também gosto de jogar Paintball em casa. Abraços

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  5. Acredito que esse tópico estaria muito mais claro se Arquivologia e Biblioteocnomia conseguissem se enxergar dentro do mesmo contexto da Ciência da Informação. Durante muito tempo tenta-se explicar a diferença entre as duas grandes áreas e pouco se entende uma da outra. Quantos bibliotecários formam-se sem ao menos conhecer o universo da Arquivologia, e vice-versa?
    No meu trabalho de conclusão de curso de Biblioteconomia defendi a visualização da função do acervo conforme as "regras" individuais de cada área. Para Arquivologia, portanto, nada mais claro que assumir o acervo imagético sua função orgânica dentro da instituição e ser tratado como documento. Para a Biblioteconomia, porém, o acervo assume a função que chamamos de insumo, que deve ser recuperado pelos interessados para que seja utilizado para diversos fins.
    No contexto da Biblioteconomia, portanto, o conteúdo é de extrema importância e nunca poderia ser deixado de lado. O acervo imagético, portanto, em diversos ambientes, pode e deve receber ambos os tipos de tratamento.

    Na minha opinião, um centro de informação (seja ele composto por acervo de qualquer natureza) necessitaria de equipes de profissionais que conseguissem trabalhar juntos e separados ao mesmo tempo. Assim como uma equipe médica, onde, para a cirurgia ter sucesso, médico, anestesista, enfermeiro, etc trabalham em conjunto, mas cada um focado naquilo que lhe diz respeito (aquilo que domina). Um centro de informação de qualidade possuiria Bibliotecários, Arquivistas, Museólogos e todos trabalhariam para um fim comum (a otimização dos serviços do centro), mas "cada um no seu quadrado".

    Mas aí o nosso mundo seria perfeito! ;)

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  6. Há um post sobre a monografia mencionada pela Laila aqui.

    A questão principal é saber qual "quadrado" tem precedência sobre os demais. O projeto do Digifoto Web não é contra que se trabalhe o conteúdo, apenas defende que não é por ele que vamos definir o que é o documento, dentro do arquivo, como está explicado neste exemplo e como Laila e Nathália fizeram em sua monografia.

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  7. O conteúdo não deve ser deixado de lado, mas não se deve pensar, no fazer arquivístico, que sirva para direcionar a maneira de organização visto que nunca apreendemos o conteúdo em sua pureza, mas o interpretamos. Daí a organização se daria não de um conteúdo como algo matemático, mas da intepretação que cada um tem daquele conteúdo influenciado por subjetividades da vida de cada um. Imagina então a bagunça: eu posso dizer que a foto é uma festa e pronto, atribuir tal valor.. fim! Mas se eu disser que a mesma foto (festa) é o registro da abertura de um novo departamento?

    Nessa lógica, o Registro da abertura de um novo departamento; o registro de posse de servidores; o registro de comprimento de meta anual etc. É tudo festa, têm o mesmo valor, vão ser postos todos juntos, porque está tudo autoexplicado.. é só ler a foto com o povo com um vinhozinho ou uma cervejinha que é tudo a mesma coisa.

    Será que é mesmo?

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  8. Boa noite! Cheguei até aqui através de um link que um dos colaboradores do projeto (Niraldo) postou no facebook. E não posso deixar de tecer meus comentários, já que o assunto me interessa bastante: tanto no que ser refere à parte prática (ou seja, os resultados do projeto), como a parte conceitual de definição dos parâmetros a serem utilizados. Explico: Sou uma fotógrafa amadora... E nos dois sentidos da palavra: amadora; não profissional e amadora: amante no sentido de amar. E minha paixão está baseada no fato de não apenas querer guardar o momento e contexto real daquilo que estou fotografando, mas principalmente em buscar o “algo mais” que aquela imagem representa num contexto mais amplo. Que relação aquela imagem tem com o que estou pensando? Com o meu momento? Como o momento da sociedade? Do mundo como um órgão habitado por vários organismos que estão todos interligados? Que relação ela tem dentro de um tempo e espaço que ontem não era o mesmo e amanhã será outro? E, então, o que provoca ou provocou esta possível diferença? E se pensarmos em repositório para o futuro... Então os caminhos serão mais e mais diversificados. Isto sem adentrarmos no âmbito de imagens abstratas que para alguns representarão uma “coisa” e para outros: outra “coisa”. E podemos passar pelo conceito de beleza e feio? O que é verdadeiramente belo e o que é feio? Eu, particularmente, adoro fotografar lugares que para outros olhares seriam feios, desolados, largados. Mas, eu vejo beleza ali! E a beleza está justamente nesta procura do que é belo ou não. A história do local está fundamentalmente ligada a estes conceitos: esteja ela contida na própria natureza ou fecunda por algum ato ou atividade de mãos conhecidas ou não... Invariavelmente, nestes lugares, quando começamos a procurar por detalhes, acabamos encontrando verdadeiros tesouros: sejam na forma, no contorno, no conteúdo ou porque não dizer: pelo próprio milagre da vida e renovação! E se adentrarmos para o intuitivo: onde fotografamos imagens porque percebemos que ali tem uma mensagem, não sabemos bem! E clicamos. Depois, em algum outro momento aquela imagem passa a fazer sentido dentro de outro contexto... Bem, vou parar por aqui! Como perceberam preciso bastante dos resultados desse projeto! Parabenizo o colega que escreveu texto pela clareza com que descreveu a proposta inicial e os caminhos contextualmente normais em arquivísticos lançados em pauta, mas principalmente pelo caminho que trilhou no sentido do improvável. Já que interpretar olhares e imagens vai muito além do que aquilo que nossa razão possa explicar. Para mim o ápice do texto está justamente no último parágrafo e na charge bem-humorada e muito bem colocada ao final. Termino dizendo que gostaria muitíssimo de estar presente na 1ª. Reunião do Grupo (GPAF), já que é aberto. Mas, infelizmente, estou fora do país. Espero que aconteçam outras e igualmente abertas, quando então poderei participar. Boa sorte e bons resultado! Zaida

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  9. Sobre como lidar com acervos fotográficos nas instituições, nos setores com fins jornalísticos, adota-se uma diretriz advinda do International Press Telecomumnication Council: um rol de categorias, subcategorias e subsubcategorias que pretendem universalisar o conteúdo fotográfico produzido pelos veículos de comunicação.

    Porém, se analisarmos o acervo de acordo com o que a Laila disse alguns comentários acima,

    [na Biblioteconomia, o acervo assume a função que chamamos de insumo, que deve ser recuperado pelos interessados para que seja utilizado para diversos fins]

    Teríamos os acervos das instituições de comunicação classificados como bibliográficos, já que uma fotografia tirada inicialmente para publicação em jornal pode também ser utilizada em livros, publicidade, etc.

    E é aí que entramos em um aparente beco-sem-saída: tratar acervos documentais sem antes analisar epistemologicamente os métodos, pode fazer com que o processo, depois de algum tempo, perca seu sentido. Por outro lado, o dinamismo do universo da comunicação não pode esperar conclusões sólidas dos debates para "tocar" seus processos.

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  10. Zaida,

    Seu comment, pela qualidade, dava até um post.

    Você introduz ouma outra questão na discussão que seria o valor estético. Na verdade, quanto se trata de arquivos o que queremos é sublimar esse quesito na atividade de organização. Como você bem disse: bonito para uns feio para outros.

    O que tem que valer, em nosso ponto de vista é a função de uso para o titular do documento (seu "dono", quem o tem por motivos administrativos) e não a foto isolada.

    Vamos a um exemplo, que pensei a partir de seu texto. Duas fotos de bueiros: uma feita por você, para seu registro pessoal, ou exposição, em função do valor estético; outra feita por um cidadão, para registro pessoal e para subsidiar denúncia que quer fazer ao poder público sobre a limpeza das ruas. Apesar de ambas serem do mesmo assunto (o "texto" que o Pedro menciona - aliás, podem ser até a mesma imagem, se o cidadão denunciante optar por fazer uma cópia da sua-), jamais poderão ter um tratamento arquivístico similar.

    A primeira tem que estar ligada a você (titular e autora) para uma função sua (exposição, "fotos de arte" etc.); portanto, a organização, acesso, prazo de guarda etc. estarão condicionadas àquelas duas características.

    No segundo caso teríamos como titular (mas não autor) o cidadão e a função de denuncia; e isto daria à organização um desenho completamente distinto do seu caso.

    Recomendo que você registre seu e-mail na coluna da direita para receber automaticamente as atualizações.

    Para entrar na mailling list do GPAF (nem tudo vem para este blog) é só me escrever: apalopez@gmail.com

    Abraços e continue comententando aqui com qualidade sempre.

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